Teatro nasceu tarde. depois de uma enxaqueca.
Desde os doze anos elas me tomavam de assalto, sem razão aparente, e me obscureciam o campo de visão. Estreitavam, tornavam turvo. Estômago embrulhado, intestino fermentando, topo da cabeça doendo, cegueira parcial. Deitava na cama, com a cabeça doendo e ficava o dia inteiro no escuro. Minha mãe fazendo compressa com pano embebido em álcool. Daí passava sozinha.
Eu ficava meses sem ter nada disso, mas quando ela estava se aproximando eu sabia. Já me preparava para o baque. O enjôo vinha primeiro e depois um pontinho luminoso na frente dos olhos, que ia aumentando para fora, seguindo o raio do olho. A dor de cabeça vinha no final de tudo.
Naquele tempo eu já falava muito em fé, porque tinha sido curado da febre reumática por homeopatia, um monte de bolinhas brancas e doces e um médico engraçado e muito grande. Não tinha sido uma cirurgia, ou injeção, ou comprimido. Doce. E bons conselhos e fé na cura. E eu estava vivo.
Mais tarde eu fiz eletrônica, porque já sabia como comandar um computador mas não entendia como ele funcionava por dentro. Gostava de saber disso, de como as coisas funcionam por dentro, talvez para entender como eu mesmo funcionava por dentro. Me meti a aprender isso e logo as enxaquecas recomeçaram mais fortes. O tempo entre elas diminuía. Mas a dor de cabeça já não era tão grande. O enjôo era o pior.
Eu olhava em volta e parecia estar fazendo tudo certo, quero dizer, tinha estudado, passado num mini vestibular, o curso era gratuito e eu tinha sérias possibilidades de estar empregado no final. Mas eu desenhava e desenhava. Terminava de fazer as infinitas contas, os senos e os cossenos, as matrizes, os xis... E desenhava. Desenhava no meio das contas, no final do caderno, na mesa, na capa dos livros.
Ela passou pela minha mesa e viu meu desenho. Eu tentei esconder a tempo mas não consegui. Ela que até aquele dia era só uma bunda me perguntou o que eu estava fazendo ali, no meio daquela gente. Me disse que eu era um artista e que eu podia estar em outra situação, que não precisava seguir aquela trilha. Me disse que tinha uma escola da prefeitura que dava cursos gratuitos de desenho e que eu poderia me especializar.
Segui a bunda e comecei a aprender a desenhar. Em quatro semanas eu terminei o módulo de um ano. O professor veio conversar comigo e disse que eu deveria ir para o módulo dois. Eu perguntei o que a gente ia aprender. Ele me disse que eu ia aprender a pintar. Eu fiquei pensando se eu tinha paciência para passar uma tarde pintando... Enquanto eu pensava apareceu um velho e colocou a mão no meu ombro. Achei que era meio bicha.
O velho foi falando que era professor de teatro na prefeitura e que o curso estava encerrando as inscrições naquela semana e que se a gente quisesse poderia se inscrever. Eu perguntei se era de graça e ele disse que sim. Pensei, vou falar para a Denise, que é minha irmã e ela vai querer fazer, porque já tinha me perguntado.
Sai do curso de desenho quase pensando em desistir de passar as minhas tardes pintando. Ia ter que comprar tintas e pintar cavalos durante meses. Falei a novidade para a Denise e ela me chamou para ir junto com ela na aula de teatro. Falei, vou, mas não vou fazer, vou ficar só olhando e dando risadas. Na sexta-feira fomos nós três, eu a Denise e a Dayse e mais uns amigos da rua. Daí que eu só fiquei no teatro.
Lá eu conheci uma menina que era linda e só ganhava concurso de miss simpatia, porque estava um pouco acima do peso. Ela era muito engraçada e era tão deliciosa que eu nunca podia imaginar que a gente seria namorado durante nove meses e eu nunca conseguiria transar com ela. Logo logo por liderança minha e mediocridade da produção teatral Osasquense eu me tornei um dos bons atores da cidade. Ali eu me dei conta, tristemente, que a liderança resolveria 90% dos meus problemas e criaria 100% deles.
Descobri César Vieira no livro, e o teatro União e Olho Vivo. Também achei Boal e detestava o Stanislavski, porque achava o livro uma merda. Li o Ponto de Mutação, do Fritjoff Capra e o Yoga para Nervosos, do Hermógenes. Comecei a ter umas experiências muito estranhas quando fazia os relaxamentos. Umas compreensões estranhas e a sensação de que me independizava de meu corpo.
A gente se tocava, podia se jogar que o outro segurava. Rolávamos no chão uns por cima dos outros e conversávamos sobre qualquer coisa possível. Nos víamos quase todos os dias, ou porque resolvíamos ensaiar, ou porque queríamos nos ver. Escrevíamos cartas uns aos outros com coisas lindas, porque estávamos todos apaixonados uns pelos outros e por nós mesmos.
Fiquei tão cego pelo que descobri ali que achava que o velho não estava fazendo nada. E ainda tinha vezes que eu sentia que as pessoas poderiam ir mais longe ainda, só que ele não via. No grupo, quando a gente ensaiava sozinho, conversávamos sobre a ausência de critério do velho e dizíamos que a peça éramos nós quem estávamos fazendo, sem direção nenhuma. Daí quando ele resolveu tirar um dos atores do elenco faltando uma semana para a estréia, nós que estávamos fazendo tudo sozinhos resolvemos opinar. O velho nos pediu para escolher entre o ator ou ele e eu sugeri que nós votássemos. O velho perdeu e eu perdi tudo...
A menina linda foi embora, porque na votação ficou em cima do muro e depois ficou ao lado do velho. Me torturava com os comentários das outras pessoas sobre a minha traição e eu ficava atrás dela obssessivamente, porque tinha ficado com ela nove meses e me perguntava todos os dias o que é que ela tinha visto num sujeito como eu. Busquei o perdão de todos, mas só consegui me reconciliar com a situação cinco anos mais tarde, depois de muita análise.
Deixei o teatro de lado e fui trabalhar consertando computadores. Tinha cansado da brincadeira e estava ferido demais para continuar. Mas estava irremediavelmente tocado pelo Teatro e logo optei por fazer faculdade de artes cênicas, depois de um vestibular para engenharia perdido e outro para psicologia. Meu velho cortou a verba e eu pagava o cursinho com o salário inteiro que recebia da assistência técnica.
Naquele ano os donos do cursinho resolveram criar umas atividades para desestressar os alunos e incluíram o teatro no pacote. Eu era o único sujeito que estava fazendo cursinho para prestar artes cênicas, porque meu curso de eletrônica era tão fraco que eu não entendia nada de história, química ou biologia. Lá formamos um outro grupo, e eu estava um pouco mais distante. Não queria me apaixonar por aquelas pessoas e estava com um pouco de vergonha de ainda querer fazer teatro.
Ali aprendi Teatro do Absurdo, Ionesco, Brecht, Peter Weiss, a beber muito e a fumar maconha. Aprendi a pegar as meninas quando estava bêbado mas ainda assim não consegui trepar com ninguém, embora eu tivesse muitas oportunidades.
Entrei na USP carregando um pacote maluco: fazia teatro no cursinho, trabalhava no Bradesco e cursava 14 créditos pelas manhãs todos os dias. No fundo eu tinha medo que não desse certo fazendo teatro e que aquilo acontecesse tudo outra vez. Eu não podia me apaixonar pelas pessoas. Precisava manter uma reserva segura. A classe estava dividida em dois grupos: uma moçada recém saída dos melhores colégios e uma rapaziada mais velha, que tinha vindo de outra área. Eu olhava aquilo e pensava que a banca do vestibular estava fazendo alguma experiência macabra.
Tinha 21 anos, um coração partido, nunca tinha trepado na vida, o corpo todo torto e condicionado pela minha relação com os computadores. Resolvi ler um clássico de cada autor. Descobri Kafka, Dostoievsky, Nietszche. Descobri Reich alucinadamente. Li tudo o que podia. Comecei a fazer análise para entender de onde vinha o meu constrangimento com as mulheres. Estava num grupo de velhos ranzinzas de 30 e poucos anos e menininhas de 18 anos deliciosas que eu nunca comeria. Fazia quatro matérias por semana e me cansei disso.
Fui até a diretora da Escola do Bradesco e disse que gostaria de diminuir meu salário e trabalhar menos. Ela me disse que o Banco não tinha esse cargo. Eu disse que então eu queria que eles me demitissem. Ela me disse que se eles me demitissem eu não poderia trabalhar em nada relacionado ao Banco. Então eu pedi demissão e perdi minha indenização e FGTS, por medo de que o Teatro não desse certo e eu tivesse que voltar.
No outro ano eu me apaixonei de novo por aquela gente toda. Arthur, Glaucia, Paulina, Ana, Paula, Roberta, Nilson, Tony, André, Valtinho, Paula, Zédu, Kelly (que depois eu odiei)... Achei o Teatro de novo e mergulhei de cabeça, sem um puto no bolso. Aí eu conheci outro velho que eu não entendia.
Entrava na sala e se sentava no chão. A gente fazia uma roda, e depois a aula virava outra coisa, que coisa era aquela? O que tem que fazer? Ele não vai falar? Que coisa de caminho é esse? Homem para o ator? Existe isso? O ator não é o homem? Eu não gostava daquela idéia de que o artista era algo mais que o homem comum, porque na hora de pagar as contas o homem comum se vira muito melhor. Eu tinha medo disso. Tinha medo de avançar e de recuar.
O velho me deu as perguntas que nunca mais me abandonaram.
Conheci o mímico também. E com a mímica, conheci meu corpo de outro jeito. Eu podia ser um engenheiro da minha postura. E fui me corrigindo, me flexibilizando, me liberando.
Ela me achou então. Era uma predadora de sujeitos como eu. Era uma ratoeira, toda intelectual, toda articulada. E deliciosa também. Me pegou lendo um texto meu, sentada em cima de uma mesa com as pernas abertas. Cada vírgula era malícia. Me ensinou filosofia e a trepar alucinado. Passei a ter sexo. Fui me enfiando no teatro e nela com a mesma intensidade. Me descobri multi-artista, passei a freqüentar as artes plásticas e ela o Teatro. Nos misturamos tanto e muito e muitas vezes. Até que nos cansamos um do outro.
Quando acabamos um com o outro eu tinha mudado. Sabia o que queria, mas não sabia como.
Fiquei num grupo que não era o meu e depois em outro e outro. Achei parceiros, amigos e uma esposa.
Fui num ensaio de um amigo e ela estava lá. Eu achava que já tinha visto ela em algum lugar, mas não sabia onde. E essa sensação me acompanha até hoje. Tava legal ficar sozinho, sem namorar ninguém. Além dela tinha uma japonesa com uma boca linda, que eu ficava tentando comer e que nunca dava certo.
A gente foi comer um dogão na porta da USP e ela começou a me cantar, daquele seu jeito mineiro. Quando percebemos eu estava apaixonado e tinha que dizer isso.
Bebíamos, conversávamos sobre o mundo, sobre o ser humano, sobre o futuro da humanidade. A gente ia sacando uma conexão muito louca e nunca nos lembramos de onde nos conhecíamos. Ela falava, eu já te conhecia das peças mas a gente nunca conversou. E eu duvidava disso.
Fomos fazendo as coisas do nosso jeito, sempre através dessa sintonia. Criamos uma cerimônia de casamento, que virava uma festa, que as pessoas nunca se esquecem. Criamos um lar e uma família.
Mas eu ainda não conseguia pagar as contas fazendo o meu trabalho.
Ela estava com a barriga imensa e o berço tinha chegado uns dias. Saiu para resolver umas coisas e me disse que quando chegasse me ajudaria a montar o berço dele. Quando ela fechou a porta eu rasguei a caixa e comecei a montar a coisa toda. Parafuso após parafuso eu fui materializando o espaço daquele futuro hóspede. Quando o berço estava de pé eu tinha me dado conta que era pai.
Claudia chegou e me encontrou chorando, emotivo. O berço tinha me arrebentado por dentro, assim como faria a frase do Garcia Marquez que eu li em algum lugar que dizia algo como "o menino pega o dedo de seu pai e daquele momento em diante o tem cativo para sempre".
Ele saiu aqui na minha sala e eu vi seu primeiro olhar, indagativo em relação ao mundo. Não chorava. Quem chorava era eu. Cortei seu cordão e o peguei no colo. Não era meu, era ele, assim como se dava com a Claudia.
Algo mudou em mim por dentro. As dúvidas não diminuíram, mas eu resolvi tomar atitude frente à vida. A vida agora não era só minha. Eu tinha entendido que estamos aqui uns pelos outros.
quarta-feira, 17 de dezembro de 2008
Pequeno currículo das essências
segunda-feira, 1 de dezembro de 2008
Indicações 2008
Recebi duas indicações para o prêmio de melhor ator coadjuvante, pelo trabalho realizado em "O rei dos urubus", da Cia dos Gansos. A primeira indicação foi no 32º FESTE, em Pindamonhangaba. A segunda foi agora, no 3º FENTEPIRA, em Piracicaba.
domingo, 30 de novembro de 2008
Manifesto automático
Pra dizer que me lembro de você, criei um robô que te beijará todos os dias e te dirá o quanto você é importante na minha vida.
Meu robô tratara a todos como rei.
Me representará, sem que eu me comprometa.
Dirá a você: "Me lembrei de você. Você se lembra de mim?".
E eu não precisarei vencer meus medos e resistências, nem a sua rejeição.
Ficaremos assim, nesse terreno seguro.
Nos amando, artificialmente, através de recados automáticos.
sexta-feira, 7 de novembro de 2008
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
terça-feira, 9 de setembro de 2008
quinta-feira, 28 de agosto de 2008
Método de trabalho para Jogos Teatrais
O trabalho realizado com as turmas de ambos os períodos é exatamente o mesmo, com resultados distintos em função das distinções entre os grupos. De uma maneira genérica, a turma matutina é mais tranqüila e mais madura que a do período vespertino, mas isso não implicou numa diferença de apreensão do conteúdo.
Desde o ano passado, costumamos dividir o curso de Jogos em dois periodos: as quatro primeira aulas são destinadas a trazer a teatralidade a partir da experiência cotidiana, com jogos mais simples de exposição e trabalho com a imagem de si (a imagem que cada pessoa acredita que os outros vêem dela); as quatro últimas são destinadas a uma introdução à linguagem teatral, às noções de comunicação clara e expressividade. Chamamos o primeiro bloco de “O teatro no mundo” e o segundo de “O mundo do teatro”.
Além dessa abordagem introdutória, buscamos uma melhor compreensão de cada aluno e de suas dificuldades em relacionar-se com o conjunto. Isso porque os trabalhos são sempre em grupo e as atitudes de cada um em relação ao coletivo vão ficando cada vez mais evidentes.
Por isso, em cada trabalho, além dos comentários sobre a execução da proposta e as dificuldades em cada um deles, também comentávamos sobre as posturas de relacionamento em grupo, tratando de questões como engajamento, comprometimento, responsabilidade e trabalho em equipe.
Iniciamos a segunda etapa do trabalho com a noção de conflito, como algo que é a expressão da diversidade. Isso nos ajudou a elucidar posicionamentos nos grupos que favoreciam ou impediam a execução de um projeto comum. Falamos sobre como a falta de comunicação direta gera o acúmulo de tensões que acabam sendo descarregadas num momento de conflito. Por isso associamos conflito à violência. No entanto, isso não precisa acontecer desta maneira.
Como na segunda etapa muitos dos exercícios consistem na criação e apresentação de uma cena de um pequeno grupo para o grupo maior da sala, e a matéria do trabalho era o conflito, ficava mais fácil revelar estes posicionamentos na feitura do trabalho e depois na apresentação do mesmo. Problemas de relacionamento, autoritarismo, passividade, omissão e outras dificuldades de grupo ficam muito evidentes quando as cenas são apresentadas.
Evidentemente a metodologia conta com um outro aparato, mais simples, no entanto de grande valia: nos primeiros encontros, nas rodas de apresentação, sempre pedimos que os alunos digam seu nome, de onde vêm, o que pretendem fazer. Isso pouco a pouco nos ajuda a saber quem é quem, pelo nome. E nos impede de tratá-los como uma massa disforme de intenções confusas. Esse olhar nos possibilita compreender melhor as dificuldades individuais e nos habilita a colocar cada um em situação de superar as suas limitações.
Na nossa compreensão, disciplina não significa controle comportamental. Significa posicionamento claro frente ao grupo e comunicação aberta e não-violenta sobre todo e qualquer problema. Significa consenso nas prioridades.
Sobre direção
Eu fico pensando em como criar esse espaço necessário para que o ator se divirta com aquilo que está fazendo. Em limar todas as coisas que vão impedindo que ele chegue neste estado, quer estas coisas estejam fora do ator (se for possível), quer estejam dentro dele(se for possível).
Chego no ensaio e olho para as figuras ali na minha frente e fico matutando como vai ser o nosso trabalho de escavação e desnudamento.
Tem uns diretores que acham que humilhar o elenco vai fazer com que eles obedeçam. E que obediência é a única maneira de extrair algo do ator... Não é o meu caso.
Minha abordagem é: "vamos brincar disso agora?"
sábado, 2 de agosto de 2008
Dona Neide é a mulher do Capeta!
Tá sendo muito bacana a repercussão do Websódio "O que que é isso?", trabalho que fiz com o pessoal da O2 para a Locaweb.
Essa semana fui para o ensaio da segunda temporada e tive um retorno do Rodrigo Meirelles sobre as estatísticas de acesso e outras coisas. A galera tem me dado um retorno muito legal sobre o meu trabalho como o Cabeça no seriado. No Youtube, a maioria dos comentários das pessoas tem sido as pérolas do Cabeça.
A gente foi muito bem "briefado" nesse trampo. O roteiro do Thiago Dottori, Nina Crintsz e Adriana Falcão (A grande família) já é duca! Mas o briefing que o pessoal passou para gente dá muito material para a gente improvisar e aí, meu amigo, é só falar merda e esperar para ver o que acontece. O paraíso para um comediante. Daí brotam coisas como "Dona Neide é a mulher do Capeta!" e outros bichos que devem aparecer até o oitavo episódio da primeira temporada.
Ontem eu fui na LOUD, que é a produtora de audio que fez o seriado. Eu e o Felipe fizemos umas gravações que vão ser usadas na segunda temporada, num episódio em que o Cabeça se dá bem. A gente passou a tarde rachando o bico. Ser comediante é bom demais!!! É tudo o que eu mais amo nessa vida.
Amanhã a gente começa a gravar a segunda. Na primeira temporada eu fiquei tão surpreso de ter sido chamado para fazer (isso porque é o meu primeiro trabalho numa produtora grande) que nem consegui escrever nada a respeito aqui no Blog. Vamos ver se rola escrever algo na segunda e publicar alguma coisa de making-off (se bem que isso deve ser meio top-secret).
quarta-feira, 25 de junho de 2008
Sorrisinho
Ele ficava ali sorrindo pra mim e me dando tapinhas nos ombros.
Parece boa gente. Parece que está feliz de a gente estar ali. Parece que não vê a hora de estarmos juntos nisso...
Parece.
O fato é que o que eu não vejo é o que está falando mais forte.
Tem alguma coisa errada com esse sorrisinho. Alguma coisa não-dita.
Não é algo que eu esteja vendo.
O que está em jogo para este sujeito?
sábado, 21 de junho de 2008
O que é que é isso? Episódio 01
Primeiro websódio do seriado "O que é que é isso" que eu faço como ator, no papel do Cabeça. Foi um dos trampos mais divertidos de se fazer. Saudades da galera do elenco e equipe técnica da O2.
domingo, 25 de maio de 2008
Fotos da viagem a Punta Cana
República Dominicana |
Aí está o link para o Album das minhas fotos de turista em Punta Cana, na República Dominicana. São coisas do Resort onde passamos a semana fazendo o trampo como mestres de cerimônia para um evento da Intel na américa Latina. As fotos do trampo ainda não estão aí.
O país dos empregados
Cheguei no teu país e encontrei o melhor lugar para ficar. Ergui um muro em torno dele, te coloquei numa guarita e chamei tua gente para construir um sonho. Paguei pouco por isso, mas prometi melhores condições de vida. Empreguei tua gente no meu sonho e convidei meus amigos para investir nisso.
Tua gente hoje nos serve sorrindo e invisíveis.
Para os amigos Javier, Fernando, Luz Maria, Alex, Sotero e a rapaziada da banda do mestre cuca maluco. Turistas em sua própria terra.
http://turistaenmitierra.blogspot.com/
segunda-feira, 14 de abril de 2008
sexta-feira, 4 de abril de 2008
Campo de Visão
As pessoas ficam dispostas nos lados de um território e não devem se encarar. Devem buscar o vazio que pode ser encontrado entre uma pessoa e outra e nessa situação é preciso se manter pronto, à espera de algo. Esse é o ponto zero, aquele em que se está preparado para entrar em cena.
Há uma regra: em um momento será escolhido aquele que irá liderar o grupo num curto espaço de tempo. Todos os outros devem se colocar na mesma direção do lider e acompanhar todos os movimentos por ele propostos sem que se olhe diretamente para ele. É preciso que o líder esteja nessa área chamada "campo de visão". O movimento só será iniciado quando houver outro movimento no campo de visão. Enquanto não vemos nada, não nos movemos.
Então voltemos ao ponto zero. Ali ficamos, aguardando, com toda a energia preparada para ser empregada. Não é um estado de descanso, de descaso. Num sinal devemos nos mover, fazendo a escolha de apenas um gesto expressivo. Este deve estar imbuído do estado poético, daquele em que imagina lugares possíveis e outros sentires.
Dali se pode evoluir para outras escolhas, sempre dialogando com outros estímulos, ora fornecidos pela música ambiente, ora oferecidos pelos parceiros de jogo, ou por aquele que orienta o jogo.
Então se escolhe o líder.
Liderando, me ocupa que todos estejam participando. Meu movimento não pode ser mais tão ensimesmado. Há uma preocupação em que os outros entendam o que eu proponho, para que o fluxo do jogo não seja interrompido. Se pode brincar com essa responsabilidade, mas não se pode negá-la, sob a pena de não liderar ninguém, porque ninguém compreeende o que se deve fazer.
Liderado devo assimilar o que está sendo proposto e tornar aquilo meu. Acompanho o outro porque aquele movimento proposto me permite ampliar o meu repertório corporal. Acompanho porque me sinto integrado ao todo, ainda sendo eu mesmo.
Furtos
Eu me mudei para cá por causa do silêncio e da possibilidade de chegar logo ao local de trabalho. Gostava de sair na rua e aproveitar o silêncio. Me orgulhava de um horizonte possível e de poder encontrar as pessoas na rua e conversar.
Se foram apenas três anos e as empreiteiras me roubaram o silêncio, o horizonte e a vizinhança.
Outro dia o sindicato da construção civil veio fazer um protesto e uma convocatória aos funcionários da obra da esquina. Às seis da manhã! Começaram o discurso pedindo desculpas da vizinhança (de minha parte aceitas) e dando os informes gerais de a quantas anda a exploração do trabalhador da construção civil. E se seguiram três discursos emocionados e as ovações habituais. Assim mesmo, bem cedinho...
Voltei do trabalho numa tarde e percebi que os carros que haviam estacionado em frente à obra estavam todos da mesma cor: cinza cimento. A obra tinha impregnado todos os carros com o cimento, sem que houvesse um aviso sequer dessa possibilidade. Me lembrei da minha vizinhança em Quitaúna, quando a gente chutava a bola de capotão suja de esgoto nos carros e paredes dos vizinhos e ouvíamos dos nossos pais que o certo era que a gente lavasse e deixasse as coisas como estavam antes da nossa brincadeira.
Bem, a Cyrella não mandou lavar os carros dos vizinhos. Tampouco a Abyara ou a Tecnisa.
Me perguntam "Qual a minha idéia de paraíso", me oferecendo apartamentos caríssimos de três ou quatro dormitórios, aqui na esquina da minha casa. Bom, minha idéia de paraíso era o que eu tinha antes deles chegarem aqui.
Agora, se eu quiser o silêncio vou ter que esperar que eles destruam os outros quarteirões do bairro e terminem de construir suas torres. Se eu quiser meu horizonte, vou ter que comprar o apartamento que eles vendem, e minha vizinhança está sendo substituída gradativamente pelos habitantes anônimos e assustados dos condomínios de alto padrão, em seus automóveis blindados e com vidro fumê.
Qualidade de vida é para quem pode comprar.
quarta-feira, 12 de março de 2008
Claudia
Eu confio em você. Porque naquele dia em que te vi chegar, aquele seu olhar de quem veio sem saber por que encheu meu coração de ternura. E eu me compadeci desse seu desalento, dessa solidão de estar aqui, e só pude dar a você o meu abraço. E meu calor.
Quando eu te vi deixando passar por você a vida, quando te vi nessa entrega, nessa graça, soube imediatamente que te amaria o resto do meu tempo e depois dele.
Se há um sempre e um infinito, lá está o que eu sinto agora.
Te amo.
Consertações
Já está ali o cadáver e ainda o procuram para o próximo conserto.
Se encontra ali, irremediavelmente quebrado para vida, funcionando talvez para algo outro que não o viver.
Sem conserto jaz o cadáver do consertador.
E ainda os amigos o procuram, com cousas quebradas que suas mãos desligadas não podem mais reparar.
Sua paciência se esvaiu.
Sua técnica se derramou de si.
Suas ferramentas estão solitárias e enferrujando.
Os consertos por ele devidos se acumulam por todos os cantos e o consertador já não tem tempo de consertar nada, porque o tempo dele se esgotou.
Pedro
Estou com meu filho todos os dias.
Quando eu era moleque, ficava mordido com o fato de o meu pai ter que sair tão cedo para o trabalho e quando voltava à noite era um zumbi zangado que não deixava a gente gritar e correr na hora do Jornal Nacional.
Estou com meu filho todos os dias. E ainda assim, é impossível não sentir esse maravilhamento pela nossa condição humana. As compreensões, os temores, os avanços, as irritações com as próprias limitações, a ansiedade frente ao próprio processo.
Pedro deve andar em pouco tempo. Parece que vai saltar a fase do engatinhamento e já vai direto para a caminhada pura e simples. Rola no chão, se arrasta na cama, se apóia no sofá para ficar de pé, anda segurando na minha mão e deixa a outra mão livre para ir pegando tudo o que pode.
Ainda a uns três dias resolveu falar "ábua" quando está com sede ou calor e me leva caminhando até o banheiro, onde se joga em direção à torneira para que a água flua. Hoje ele entendeu que a água que ele bebe no copo é a mesma que sai da torneira e do chuveiro. E consegue distinguir entre os tantos layouts possíveis de uma torneira, que aqueles objetos todos servem para a mesma coisa. Meteu a mão em baixo da água e, não satisfeito, abriu a boca embaixo da torneira para beber a água que vinha dali.
Na frente do espelho, no nosso colo, ele se olha e olha para a gente, no reflexo e na vida. Os livros todos que a gente comprou dizem que ele ainda não sabe quem é. Que não associa aquele menino na imagem com o menino que ele é. Mas eu sempre duvido. Acena para o espelho, aprendendo a dar "tchau" e quando passeamos na rua, ele vê a própria sombra no chão e faz a mesma coisa, olhando para a imagem formada e para a própria mão que se mexe.
Há um "papa" que sou eu e outro que é a comida. Uma "tetê" que é a mãe e outra que é a teta da mãe. Um "mãmã" que começa a sair. Um "bobô" e uma "bobó", que os avós ainda não entendem que é com eles, porque pensam que ele é muito novo para se comunicar. O cachorro na embalagem de papel higiênico, que ele reconhece como cachorro, porque quando eu pergunto "onde está o cachorro?" ele me pega pela mão e me leva até o lugar onde fica a embalagem e pára de frente para a imagem do bicho.
Nove meses de idade. Impossível... Mas eu, o pai, olho e sei.
Impossível é não ver tudo isso e saber que o ser humano é uma coisa maravilhosa em todas as suas descobertas e patetices.
Investimento de risco
Estamos a duas semanas do final da temporada e constatamos um rombo de três mil reais no caixa da companhia. Temos uma média de espectadores bastante satisfatória, uma temporada relativamente longa, não precisamos pagar nada ao CCSP... Mas mesmo assim, ainda fizemos um investimento bem alto para o nosso espetáculo.
Isso sem contar que a gente não recebe um centavo como atores e atriz da peça. E o Léo abriu mão da porcentagem dele como dramaturgo.
Se eu já não estivesse sofrendo ameaças da Telefonica, da NET e da Eletropaulo certamente teria abrido mão dos meus tostões pela criação do cenário, mas não pude. Tive que pedir um empréstimo para a família e ainda continuo sem arranjar nenhum fixo, de maneira que esses cobres me fariam falta.
...
Léozão me liga agora a tarde encanado com a grana que o Vitão pedia para levar os projetos da peça pessoalmente em SESCs do interior. Fora os três contos que já devemos, ele ainda precisava de quase seis. Seria supimpa se tivéssemos isso. Também acho que levar o projeto nas mãos das pessoas implica numa relação diferente da que a gente estabelece à distância, mas o fato é que não temos mais nenhum centavo. Léo e Gui já falam em colocar mais uns cobres para pagar a impressão do projeto, que mandaremos via web ou sedex mesmo, porque não temos mais nenhum centavo para gastar com aluguel de carro, combustível e pedágio.
...
Nessas horas é importante não ter o outro como adversário. Porque é aí que a coisa desanda. Eu tinha conversado com o Vitão e tinha ouvido o porquê ele considerava essa estratégia de levar pessoalmente os books da peça como uma coisa boa. Também tinha ouvido a Glau, que até agora não recebeu nenhum tostão, nem por "Escombros" nem por "O rei dos urubus". Ouvia o Léo com a mesma fé de sempre no projeto e o Gui fazendo as contas do quanto ainda faltava pagar e para quem... A gente discute e cada um apresenta a sua questão, mas a questão é saber que o outro está do seu lado e não contra você. Isso é a diferença entre uma Companhia de Teatro e um aglomerado de pessoas fazendo uma peça.
...
Ainda tenho fé nesses caras e nessa mina! Estamos na merda, como sempre, mas eu ainda acredito no trabalho dessa gente. Na qualidade do que fazemos. Nesse e em todos os espetáculos que a gente fez e que a gente possa um dia vir a fazer. Agora eu não tenho nenhum puto para colocar nessa produção, mas se tudo correr bem, em maio terei uma grana legal e aí quem paga o Vitor sou eu.
...
Três mil de cu é rola! Foda-se! Vamos fazer essas peças!
...
A gente ainda está aprendendo o que é ser Companhia, e estamos vendo o quanto vale pagar por essa lição. Todos esperamos pagar nossas contas com esse trabalho que nos traz tanta alegria. Todos esperamos reconhecimento pelos nossos trabalhos. A questão é ver o quanto se pode investir e se isso é necessário. Em dinheiro, tempo, esforço e alegria.
sábado, 8 de março de 2008
Reconhecimento
Uma vez a gente estava conversando num ensaio sobre esse motor do ser humano, o de ser reconhecido por outros. Falamos da importância de se reconhecer as virtudes e as competências de cada um e isso ajudou a dissolver algumas tensões.
Papo bacana com o Lazzaratto.
Ontem um amigo que assistiu à peça me disse que meu trabalho traz em cena muita humanidade. Nos dois personagens. Porra!
É simplesmente o lugar em que eu busco chegar com o que estou fazendo. Foi o melhor reconhecimento que eu já tive na minha carreira.
Obrigado, cara.
segunda-feira, 3 de março de 2008
Da imponderabilidade do público
Trinta e cinco pessoas.
Pouco mais de um quarto da casa, num domingo à noite.
O que podem ter para fazer, as pessoas, num domingo à noite que não estavam na platéia da peça?
Show do Iron Maiden, jogo do Palmeiras e Corinthians, novas peças em cartaz.
Eu gostaria muito de ter uma resposta para quando acontece esse tipo de coisa, mas não tenho a menor idéia. Toda temporada tem sempre esse dia, em que o público desaparece sem razão aparente.
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
Dinheiro
Eu sou um trabalhador. Embora eu tenha tentado não ser um operário como o meu pai foi, é inevitável dizer que eu sou obcecado com o trabalho. O trabalho é uma maneira de concretizar coisas. Tem a sua alquimia.
Mas tenho enormes complicações com o dinheiro.
"Quanto você cobra?"
"Quanto sai para você fazer isso?"
Sei lá!
Não quer dizer que eu seja um tonto disposto a trabalhar de graça. Eu costumo farejar a exploração de longe e posso até perder a grana uma vez. Mas a segunda vez, fica mais difícil. E digo mais: existem algumas coisas que eu posso fazer, e que só eu posso fazer, entende?
Se você me engabela hoje, amanhã pode precisar de mim novamente. E aí já era.
Assim eu penso em relação à grana.
Dinheiro vira bosta no dia seguinte.
Mas a credibilidade é ouro no meu ramo de trabalho.
Estamos acertados?
Ok. Como você quer que eu faça o serviço?
(...)
Certo.
(...)
E como você vai me pagar?
(...)
Tem que ser em dinheiro. Se você me passa um cheque e ele não tem fundos, vou ter que fazer dois serviços. Primeiro nesse cara, que você encomendou. Depois em você. Aliás, nesse caso, normalmente eu vou atrás da sua família...
Putz! Percebe como eu gosto de trabalhar? Ao invés de matar você, mato a sua família inteira por um cheque sem fundos.
É uma compulsão, sabe? Esse lance do trabalho?
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008
Medo da Globo e o Cartão de Honra ao Mérito
Quando eu era moleque havia um sistema de premiação na escola em que eu estudava. A coisa funcionava assim: se você tirasse média superior a 7 em todas as matérias você recebia um cartão de honra ao mérito. Se a sua média geral fosse algo em torno de 9 ou 10 você recebia uma medalhinha num evento festivo da escola.
Até a quarta série eu era um aluno desse que tirava 9 ou 10. Eu sempre fui muito curioso e sempre gostei de ler, e costumava entender a explicação da primeira vez. Na segunda explicação eu já ia adiantando os deveres de casa e se houvesse uma terceira eu estava lendo a próxima matéria ou desenhando alguma coisa.
Quando rolou a transição para a quinta série, comecei a notar que a gente era discriminado pelo bendito cartão. Aquilo que era o orgulho da família era terrível para os relacionamentos na turma. O grupo dos "honra ao mérito" era um lugar complicado de se estar. Fora que isso gerava uma tensão geral, um estado permanente de concorrência consigo mesmo. Eu já tinha um coração zoado, que não me deixava ser um ás no esporte. Não tinha time algum para participar e chegou uma hora em que todos os meus amigos faziam parte de um ou mais times de qualquer coisa. O cartão de honra ao mérito ia me deixar extremamente só, num momento da vida em que tudo o que você quer é fazer parte da turma.
Bem, relaxei geral e mantive a média sete só prestando a atenção nas aulas. Não precisava estudar tanto e me sobrava mais tempo para as caricaturas e para a zoeira no geral. Engrenei uma dobradinha que me acompanhou desde então: um sujeito um pouco acima da média que gosta de tirar um barato dos outros e vai passando pela vida numa boa. Desde essa época o terror de ser o melhor que eu pudesse ser me assombrou. O medo de ser visto pelos outros como um "honra ao mérito".
Isso posto, voltemos ao Zeca Bittencourt e ao telefonema no meio do dia dizendo: "um amigo foi assistir à sua peça e me recomendou você. Estamos pesquisando comediantes que façam tipos para inaugurar um novo formato de humor, etc..." A Globo, cara! Os caras viram a peça.
Faço teatro a 17 anos e sempre ouvi da família e amigos que uma hora eu ia entrar para a Globo e fazer novela ao que eu sempre respondi "novela? foda-se". Mas confesso que enquanto eu ouvia o Zeca dizendo isso, me dei conta de que eu tinha medo da Globo porque eu tinha medo do "honra ao mérito".
Sou ativista pra caralho, contra a concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucos grupos econômicos, etc... Porque fico vendo meus amigos com pequenas produtoras criando produtos que sejam ao mesmo tempo algo novo e algo comprável. A tirania das grandes é foda! Não adianta você fazer algo revolucionário e depois não achar quem compre nem quem exiba. Ao mesmo tempo, as grandes emissoras ficam tentando "renovar o formato" e acabam passando perfume na carniça, ao invés de mergulhar fundo no que é preciso.
Aí o cara me procura, para fazer humor de tipo, coisa do tempo do Oscarito e Grande Otelo. Algo diferente do humor Renato Aragão e Zorra total. Difícil o trampo de um cara que nem o Zeca! O que a Globo me apresenta além disso? Casseta e Planeta, sitcoms, humor carioca (que eu não entendo, por isso não gosto), teatro de revista. Será que a gente consegue se livrar dessa mala na televisão?
Também não sei, mas resolvi encarar o desafio. Falei pro Zeca dessa pesquisa de achar o humor no humano e vice-versa. O cara curtiu a coisa e vou fazer um registro em abril. Quem sabe eu possa ajudar a descobrir uma saída dessa baboseira, embora eu possa vir a ser só mais um peão no jogo.
Sendo Ganso
Amizade é um puta combustível pro teatro. Principalmente para a gente que é comediante. No ano passado marcamos uma breja na casa do Gui para fazer uma leitura sem compromisso do texto novo do Léo. Eu, Glaucia, Léo, Fabi, Zé Roberto, Renatinho Schultz, Guilherme e uma outra mina que eu não me lembro (talvez a esposa do Renato ou a namorada do Zé... eu bebo cerveja demais).
Texto fudido! Soco no estômago, ácido pra caralho. Tinha uma penca de personagens sobrando e umas cenas à mais, que pareciam coisa de quem escreve para novela. Mas era muito bom mesmo! O Léo falava que o Mário Frias tinha gostado do texto e que talvez quisesse fazer.
"Quem é Mario Frias?" - perguntei. "Um cara que fez Malhação e depois aquela novela da Globo em que a Suzana Vieira tinha nome e sobrenome de cores e um monte de filhos. Ele era um político amigo de um dos filhos da Suzana Vieira". Fudeu. Tem quase dez anos que eu não assisto uma novela da Globo, mas já percebi umas três ou quatro em que a Suzana Vieira se chama Azul Celeste, Rubra Rosa ou Branco Gelo. Acho que ela faz mershandising (é assim que se escreve essa merda?) subliminar da Sulvinil.
Não lembrava nem fudendo da cara do figura. Os caras iam me dando caracterísiticas mais detalhadas e u ia tomando mais cerveja e a coisa toda ia ficando mais confusa. Enfim... Aquilo de sempre.
Fizemos "Escombros" lá no Parlapatões e marcamos uma reunião com o Mário Frias numa pizzaria na Vila Madalena. O cara é carioca e um bom paulista não entende os cariocas. O nego falava que ia botar grana do bolso, que viria do Rio todo final de semana, que ia arranjar 100 pilas para botar na peça. Eu ficava olhando aquilo tudo e pensando: "Será que isso é verdade?" Olhando o cara ali na minha frente eu ficava me lembrando da Anunciada, que era uma menina que a minha avó e o meu avô criaram lá em Sapé, na Paraíba. Ela assistia a televisão o dia inteiro e eu a chamava de Televina. Pensava nela ali, na mesma mesa em que eu estava, vendo o carioca contar vantagem. Comédia.
É lógico que o nego deu um perdido no Léo. Hahaha. Léo ligava tentando ver o lance da captação e o cara sumiu. Só apareceu na capa da Caras na semana da nossa estréia no Centro Cultural. Tava casando em Floripa (acho). Nego queria fazer a peça porque tinha ficado mordido com a imprensa-contigo quando ele se separou da Nívea Stelman. Mas o novo casório era capa da Caras. Cada coisa doida nesse meio...
No fim a gente estreoou na marra, do jeito que tem que ser. Não dá para fazer teatro nesse país sem ser nesse risco filho da puta de tomar um prejuízo maior que o anterior. Pegamos 10 pilas emprestados e chamamos o Vitão para ser o administrador da nossa temporada. Ensaiamos durante um mês e pouco sob a batuta espetacular do Lazzaratto e mandamos pau na sexta passada.
Cenário meu que deu um puta trampo porque eu ficava pensando nos mil reais que eu poderia gastar. Dormi mal durante duas semanas, mas depois que conversei com o pessoal sobre aumentar a verba da cenografia, fechei o cenário e mandei fazer.
É uma merda isso! A gente trabalha pra caramba, gasta uma grana que nem tem, atrasa conta em casa, perde o sono... E só consegue cobrir o prejuízo se tiver um neguinho da Globo no elenco. Aí sobra grana! Não importa que merda você está fazendo. Basta ser da Globo e já era. Sucesso!
Eu tava começando a pensar "Globo de cu é rola" por causa do lance do Mário Frias (que se estivesse no elenco ia ajudar pra caralho na bilheteria) quando na segunda-feira me liga o Zeca Bittencourt, do Departamento de Recursos Artísticos da Rede Globo de Televisão.
Ai caralho!
"Liga depois. Ainda não sei o que vou fazer. Tô sem grana, mas preciso pensar". Tava em pleno almoço no Rancho Nordestino, comendo um frangão com a Clau e o Pedro quando atendi o celular com essa coisa toda. Perdi a fome, fiquei nervoso e comecei a chorar. Eu tenho um puta medo disso tudo!