segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Coração Partido

Quando a gente é criança, ama tanto alguém, em tamanho silêncio, que até dói. Eu tinha me esquecido dessa dor de estar apaixonado e não ser correspondido. Essa dor de criança. Fui dispensado do Micael no sábado e estou com o coração partido desde então, como se o amor da minha vida tivesse me deixado.


Nada que eu tenha escutado, nada que eu pense, nada além do tempo parecem curar essa dor no peito. Essa dificuldade em seguir vivendo do mesmo jeito.

Nem mesmo estar no palco aliviou esse sentir. Nem mesmo o amor da minha família, tão especial. Nada.

Estou de aviso prévio, até dezembro, mas já não estarei com eles. Nem sei com que coração eu vou até lá assinar a papelada toda da minha demissão nessa semana.

Agora mesmo eu só penso que isso pode ter acontecido para que eu entenda de uma vez o que eu sei fazer com o teatro.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Dadoradas

Minha sogra tem um estilo de fraseado genial. Ela se atrapalha quando está no meio da conversa e solta umas coisas maravilhosas, como as que seguem:


"Cada galho no seu macaco"
"Esse pedreiro vai ver só é bom para coisas mais grotescas, não para acabamento" querendo dizer que o pedreiro é bom para coisas grosseiras.

Genial!

O silêncio

Trabalhei como um camelo para que as coisas saissem bem. Não desliguei do assunto um só momento, pensando em cada um deles, no melhor que eu poderia dizer ou fazer para que eles conseguissem se divertir com a busca. Me ancorei no senso de humor, que me permite dizer coisas duras com a leveza necessária para que elas sejam ouvidas. Estreamos e tudo correu bem.


Há um certo milagre no teatro, que a gente que vive disso conhece: as coisas se ordenam na última hora, porque o espectador exerce um poder misterioso sobre o ator que o ajuda a superar as suas limitações e a se entregar plenamente na experiência.

Mas alguma coisa não saiu bem.

Quatro dias depois do término, tive um encontro com minhas parceiras de trabalho para avaliar o processo e ouvi delas que eu fui negligente, descuidado com o ritmo, desleixado com as minhas funções, que haviam feito o que eu deveria ter feito e que por isso se sobrecarregaram. Que de minha parte faltava abrir a comunicação, que na última hora eu faltei, que não agüentei o processo e por isso fiquei doente, que não fui recíproco, que fui duro demais, que me isolei. Que a peça tinha acontecido bem por milagre.

Eu ouvi tudo isso e sentia que havia verdade nisso. Mas alguma coisa me soava falso.

Que milagre foi esse que fez essa peça acontecer, apesar de um diretor tão ausente?

Milagre é o sujeito nunca ter dirigido uma ópera, ter inclusive resistência a musicais, não entender nada de música e ainda assim, fazer com que um grupo de atores tenha segurança para seguir fazendo a peça até que as coisas vão se ordenando. Aqueles atores entendem muito mais de música do que eu e se eu conseguisse deixá-los seguros no palco, o jogo deles com a música ia dar um jeito de a cena acontecer, mesmo que eu ainda não enxergasse como. Porque é nos atores que mora o teatro.

Milagre é o sujeito se ver diante de um elenco de 29 pessoas com quatorze anos e achar um acordo de grupo em que os 25 atores que estão fora de cena respeitem os outros quatro que estão no palco, ficando em silêncio, cantando, preparando as coisas para as próximas cenas. Milagre é ver um ator que mal conversava comigo ter segurança para expôr uma idéia e vê-la incorporada na peça. Também é um milagre que os outros professores me procurem na sala de ensaios e não me encontrem, embora eu esteja na roda, bem diante deles.

O milagre mesmo é a roda e essa capacidade de nos horizontalizar.

Aquelas pessoas todas, atores, pais, parceiros, músicos, professora... todos eles sabiam mais do teatro que queriam ver do que eu. Se houve um milagre, foi ajuda-los a enxergar isso.

Talvez eles tenham esperado que eu mandasse mais.

Mas eu não quero fazer assim.

Teu jeito é melhor para você do que o meu jeito.