Eu me mudei para cá por causa do silêncio e da possibilidade de chegar logo ao local de trabalho. Gostava de sair na rua e aproveitar o silêncio. Me orgulhava de um horizonte possível e de poder encontrar as pessoas na rua e conversar.
Se foram apenas três anos e as empreiteiras me roubaram o silêncio, o horizonte e a vizinhança.
Outro dia o sindicato da construção civil veio fazer um protesto e uma convocatória aos funcionários da obra da esquina. Às seis da manhã! Começaram o discurso pedindo desculpas da vizinhança (de minha parte aceitas) e dando os informes gerais de a quantas anda a exploração do trabalhador da construção civil. E se seguiram três discursos emocionados e as ovações habituais. Assim mesmo, bem cedinho...
Voltei do trabalho numa tarde e percebi que os carros que haviam estacionado em frente à obra estavam todos da mesma cor: cinza cimento. A obra tinha impregnado todos os carros com o cimento, sem que houvesse um aviso sequer dessa possibilidade. Me lembrei da minha vizinhança em Quitaúna, quando a gente chutava a bola de capotão suja de esgoto nos carros e paredes dos vizinhos e ouvíamos dos nossos pais que o certo era que a gente lavasse e deixasse as coisas como estavam antes da nossa brincadeira.
Bem, a Cyrella não mandou lavar os carros dos vizinhos. Tampouco a Abyara ou a Tecnisa.
Me perguntam "Qual a minha idéia de paraíso", me oferecendo apartamentos caríssimos de três ou quatro dormitórios, aqui na esquina da minha casa. Bom, minha idéia de paraíso era o que eu tinha antes deles chegarem aqui.
Agora, se eu quiser o silêncio vou ter que esperar que eles destruam os outros quarteirões do bairro e terminem de construir suas torres. Se eu quiser meu horizonte, vou ter que comprar o apartamento que eles vendem, e minha vizinhança está sendo substituída gradativamente pelos habitantes anônimos e assustados dos condomínios de alto padrão, em seus automóveis blindados e com vidro fumê.
Qualidade de vida é para quem pode comprar.
sexta-feira, 4 de abril de 2008
Furtos
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