quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Medo da Globo e o Cartão de Honra ao Mérito

Quando eu era moleque havia um sistema de premiação na escola em que eu estudava. A coisa funcionava assim: se você tirasse média superior a 7 em todas as matérias você recebia um cartão de honra ao mérito. Se a sua média geral fosse algo em torno de 9 ou 10 você recebia uma medalhinha num evento festivo da escola.

Até a quarta série eu era um aluno desse que tirava 9 ou 10. Eu sempre fui muito curioso e sempre gostei de ler, e costumava entender a explicação da primeira vez. Na segunda explicação eu já ia adiantando os deveres de casa e se houvesse uma terceira eu estava lendo a próxima matéria ou desenhando alguma coisa.

Quando rolou a transição para a quinta série, comecei a notar que a gente era discriminado pelo bendito cartão. Aquilo que era o orgulho da família era terrível para os relacionamentos na turma. O grupo dos "honra ao mérito" era um lugar complicado de se estar. Fora que isso gerava uma tensão geral, um estado permanente de concorrência consigo mesmo. Eu já tinha um coração zoado, que não me deixava ser um ás no esporte. Não tinha time algum para participar e chegou uma hora em que todos os meus amigos faziam parte de um ou mais times de qualquer coisa. O cartão de honra ao mérito ia me deixar extremamente só, num momento da vida em que tudo o que você quer é fazer parte da turma.

Bem, relaxei geral e mantive a média sete só prestando a atenção nas aulas. Não precisava estudar tanto e me sobrava mais tempo para as caricaturas e para a zoeira no geral. Engrenei uma dobradinha que me acompanhou desde então: um sujeito um pouco acima da média que gosta de tirar um barato dos outros e vai passando pela vida numa boa. Desde essa época o terror de ser o melhor que eu pudesse ser me assombrou. O medo de ser visto pelos outros como um "honra ao mérito".

Isso posto, voltemos ao Zeca Bittencourt e ao telefonema no meio do dia dizendo: "um amigo foi assistir à sua peça e me recomendou você. Estamos pesquisando comediantes que façam tipos para inaugurar um novo formato de humor, etc..." A Globo, cara! Os caras viram a peça.

Faço teatro a 17 anos e sempre ouvi da família e amigos que uma hora eu ia entrar para a Globo e fazer novela ao que eu sempre respondi "novela? foda-se". Mas confesso que enquanto eu ouvia o Zeca dizendo isso, me dei conta de que eu tinha medo da Globo porque eu tinha medo do "honra ao mérito".

Sou ativista pra caralho, contra a concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucos grupos econômicos, etc... Porque fico vendo meus amigos com pequenas produtoras criando produtos que sejam ao mesmo tempo algo novo e algo comprável. A tirania das grandes é foda! Não adianta você fazer algo revolucionário e depois não achar quem compre nem quem exiba. Ao mesmo tempo, as grandes emissoras ficam tentando "renovar o formato" e acabam passando perfume na carniça, ao invés de mergulhar fundo no que é preciso.

Aí o cara me procura, para fazer humor de tipo, coisa do tempo do Oscarito e Grande Otelo. Algo diferente do humor Renato Aragão e Zorra total. Difícil o trampo de um cara que nem o Zeca! O que a Globo me apresenta além disso? Casseta e Planeta, sitcoms, humor carioca (que eu não entendo, por isso não gosto), teatro de revista. Será que a gente consegue se livrar dessa mala na televisão?

Também não sei, mas resolvi encarar o desafio. Falei pro Zeca dessa pesquisa de achar o humor no humano e vice-versa. O cara curtiu a coisa e vou fazer um registro em abril. Quem sabe eu possa ajudar a descobrir uma saída dessa baboseira, embora eu possa vir a ser só mais um peão no jogo.

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