O deus criou o aparato e o enfiou dentro de uma caixa preta. Pensava ele que os homens eram imperfeitos, e que ao se meterem a copiar o aparato, cometeriam toda a sorte de erros e poriam um fim em tudo o que havia sido criado.
Postou a máquina na caixa e a selou, lançando uma sentença que proferia que o mal estava dentro dela, e que aquele que a conseguisse abrir, estaria liberando algo sem limites por sobre a Terra.
A menina, desconhecendo a sentença, viu a caixa num relance. E sem se importar com os alertas de seus semelhantes, que a essa altura mantinham uma distância gigantesca do aparato engavetado, se lançou numa caminhada apaixonada até a caixa preta.
A princípio olhou a caixa por todos os lados, em busca de uma fresta, uma entrada qualquer por onde pudesse ver o mecanismo, mas não encontrou nada.
Pandora, a menina, se sentou ao lado da caixa e a colocou sobre o seu colo. Ficou em silêncio, tentando escutar o som do mecanismo... Nada.
Um ancião, que ficou no sopé da montanha aonde estava a caixa, proferia ameaças à menina, que a essa altura já tinha um pedaço de rocha na mão, disposta a abrir a caixa à força.
Pandora golpeou a caixa, inúmeras vezes, até que uma lasca se desprendeu e ela pode ver o aparato. Insistiu um pouco mais até que a tampa se desprendeu e o aparato se revelou no chão.
Ao ver a máquina em movimento, quis saber o que a movia. E olhava para todas as peças encaixadas, procurando a origem do funcionamento. Mas não conseguia descobrir quem começava o quê.
Colocou então o aparato sobre o que restava da caixa e passou a contemplá-lo. A essa altura, o ancião já havia retornado ao povoado, correndo como podia com suas pernas rotas, e espalhava a todo canto que a menina havia liberado o mal.
Na contemplação do aparato, a menina julgou que iria tirar uma peça por vez e recolocá-la, até que a máquina parasse e ela descobrisse qual era a origem do funcionamento.
E assim procedeu. Tirava uma peça e via o que acontecia com o funcionamento. Recolocava a peça e mais uma vez observava como a máquina funcionava. Peça a peça, ela foi em busca da origem do movimento e ao final, não a encontrou.
No povoado, os homens em pânico, ateavam fogo a todas as coisas, pretendendo com isso afastar as bestas que viriam do interior da caixa. Mulheres e crianças se refugiavam no interior de casas que se tornavam fogueiras e em seguida sepulturas.
Alheia ao terror, estava Pandora. Que com a compreensão que julgava ter, descobriu na máquina um descuido de projeto. Empacotou como pode o aparelho, decidida a encontrar um sábio que pudesse melhorar o equipamento.
Quando chegou ao povoado, só viu cinzas.
Aterrorizada, lembrou-se dos avisos de todos e a compreensão cedeu à culpa. A menina lançou o aparato no meio das cinzas e desapareceu da história, se julgando a responsável pelo surgimento de todos os males.
Imagine um mundo em que todas as caixas pretas fossem abertas e que o funcionamento de todas as coisas fosse revelado. Onde cada um se sentisse responsável por aprimorar o projeto de tudo em benefício de todos. Onde o terror cedesse à curiosidade.
As pessoas abrindo mão de caixas seladas e de serviços prestados de forma tosca por exploradores que vivem do terror, buscando uma alternativa baseada em conhecimento compartilhado por todos.
Seríamos como a menina; com a compreensão de que não encontramos o mal dentro das caixas.
Mas a liberdade.
sábado, 5 de março de 2005
Pandora
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