Acordei em meu quarto dia propenso a enfrentar o deserto e todas as suas suscetibilidades.
Se não me desse um teto, eu o arrancaria.
Sugaria toda a sua água, comeria tudo o que encontrasse.
Secaria o deserto, antes mesmo que ele me secasse.
E com esses suaves pensamentos, resgatei o meu cajado e empreendi uma longa caminhada em direção ao vazio.
“Fora com o sol! Limparei essa areia imunda até que surja a água!”
Um higienista!
E andei com olhos atentos.
E como se o deserto não me facilitasse as coisas, eu cavouquei o chão num lugar qualquer, em busca de água, até que meus dedos se esfolassem.
O buraco era pouco maior que uma cova, mais uma ironia do deserto dizendo: “Isso mesmo! Mate-se, antes que eu o faça!”.
Mandei-o tomar no cu e entrei na minha habitação com uma sensação de triunfo.
Neste regalo, repousei e com isso as memórias se refrescaram um pouco, trazendo à tona a informação obtida sei lá em que lugar, de que os cactos do deserto guardavam para si um pouco de água.
Sorri, discretamente, para que o deserto não soubesse do meu triunfo. E ao anoitecer saí, sorrateiro, empreendendo ainda o meu roubo, mas dessa vez a vítima não seria o deserto, pai de todos. Seria um frágil cacto.
Lá estava o sujeito.
Era um cacto meditativo, aquele. Olhava para o vazio e permanecia ali perene. Um iogue.
Abordei-o com o meu cajado e sem empreender com ele diálogo algum, sentei-lhe porretadas, até que uma águazinha muito ridícula brotasse de seus galhos feridos. Bebi-a sem cessar. E como se pudesse arrancar de minha vítima ainda mais fluido, mordi seus pedaços, enfrentando espinhos e dor, para arrancar ainda mais água.
O riso que dei é inexprimível.
E com essa sensação de que nada mais podia ser dito sobre aquele assassinato, encerrei o meu quarto dia, abraçado ainda com os pedaços do infame cacto.
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