sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Dinheiro

Eu sou um trabalhador. Embora eu tenha tentado não ser um operário como o meu pai foi, é inevitável dizer que eu sou obcecado com o trabalho. O trabalho é uma maneira de concretizar coisas. Tem a sua alquimia.

Mas tenho enormes complicações com o dinheiro.

"Quanto você cobra?"

"Quanto sai para você fazer isso?"

Sei lá!

Não quer dizer que eu seja um tonto disposto a trabalhar de graça. Eu costumo farejar a exploração de longe e posso até perder a grana uma vez. Mas a segunda vez, fica mais difícil. E digo mais: existem algumas coisas que eu posso fazer, e que só eu posso fazer, entende?

Se você me engabela hoje, amanhã pode precisar de mim novamente. E aí já era.

Assim eu penso em relação à grana.

Dinheiro vira bosta no dia seguinte.

Mas a credibilidade é ouro no meu ramo de trabalho.

Estamos acertados?

Ok. Como você quer que eu faça o serviço?
(...)
Certo.
(...)
E como você vai me pagar?
(...)
Tem que ser em dinheiro. Se você me passa um cheque e ele não tem fundos, vou ter que fazer dois serviços. Primeiro nesse cara, que você encomendou. Depois em você. Aliás, nesse caso, normalmente eu vou atrás da sua família...

Putz! Percebe como eu gosto de trabalhar? Ao invés de matar você, mato a sua família inteira por um cheque sem fundos.

É uma compulsão, sabe? Esse lance do trabalho?

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Medo da Globo e o Cartão de Honra ao Mérito

Quando eu era moleque havia um sistema de premiação na escola em que eu estudava. A coisa funcionava assim: se você tirasse média superior a 7 em todas as matérias você recebia um cartão de honra ao mérito. Se a sua média geral fosse algo em torno de 9 ou 10 você recebia uma medalhinha num evento festivo da escola.

Até a quarta série eu era um aluno desse que tirava 9 ou 10. Eu sempre fui muito curioso e sempre gostei de ler, e costumava entender a explicação da primeira vez. Na segunda explicação eu já ia adiantando os deveres de casa e se houvesse uma terceira eu estava lendo a próxima matéria ou desenhando alguma coisa.

Quando rolou a transição para a quinta série, comecei a notar que a gente era discriminado pelo bendito cartão. Aquilo que era o orgulho da família era terrível para os relacionamentos na turma. O grupo dos "honra ao mérito" era um lugar complicado de se estar. Fora que isso gerava uma tensão geral, um estado permanente de concorrência consigo mesmo. Eu já tinha um coração zoado, que não me deixava ser um ás no esporte. Não tinha time algum para participar e chegou uma hora em que todos os meus amigos faziam parte de um ou mais times de qualquer coisa. O cartão de honra ao mérito ia me deixar extremamente só, num momento da vida em que tudo o que você quer é fazer parte da turma.

Bem, relaxei geral e mantive a média sete só prestando a atenção nas aulas. Não precisava estudar tanto e me sobrava mais tempo para as caricaturas e para a zoeira no geral. Engrenei uma dobradinha que me acompanhou desde então: um sujeito um pouco acima da média que gosta de tirar um barato dos outros e vai passando pela vida numa boa. Desde essa época o terror de ser o melhor que eu pudesse ser me assombrou. O medo de ser visto pelos outros como um "honra ao mérito".

Isso posto, voltemos ao Zeca Bittencourt e ao telefonema no meio do dia dizendo: "um amigo foi assistir à sua peça e me recomendou você. Estamos pesquisando comediantes que façam tipos para inaugurar um novo formato de humor, etc..." A Globo, cara! Os caras viram a peça.

Faço teatro a 17 anos e sempre ouvi da família e amigos que uma hora eu ia entrar para a Globo e fazer novela ao que eu sempre respondi "novela? foda-se". Mas confesso que enquanto eu ouvia o Zeca dizendo isso, me dei conta de que eu tinha medo da Globo porque eu tinha medo do "honra ao mérito".

Sou ativista pra caralho, contra a concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucos grupos econômicos, etc... Porque fico vendo meus amigos com pequenas produtoras criando produtos que sejam ao mesmo tempo algo novo e algo comprável. A tirania das grandes é foda! Não adianta você fazer algo revolucionário e depois não achar quem compre nem quem exiba. Ao mesmo tempo, as grandes emissoras ficam tentando "renovar o formato" e acabam passando perfume na carniça, ao invés de mergulhar fundo no que é preciso.

Aí o cara me procura, para fazer humor de tipo, coisa do tempo do Oscarito e Grande Otelo. Algo diferente do humor Renato Aragão e Zorra total. Difícil o trampo de um cara que nem o Zeca! O que a Globo me apresenta além disso? Casseta e Planeta, sitcoms, humor carioca (que eu não entendo, por isso não gosto), teatro de revista. Será que a gente consegue se livrar dessa mala na televisão?

Também não sei, mas resolvi encarar o desafio. Falei pro Zeca dessa pesquisa de achar o humor no humano e vice-versa. O cara curtiu a coisa e vou fazer um registro em abril. Quem sabe eu possa ajudar a descobrir uma saída dessa baboseira, embora eu possa vir a ser só mais um peão no jogo.

Sendo Ganso

Amizade é um puta combustível pro teatro. Principalmente para a gente que é comediante. No ano passado marcamos uma breja na casa do Gui para fazer uma leitura sem compromisso do texto novo do Léo. Eu, Glaucia, Léo, Fabi, Zé Roberto, Renatinho Schultz, Guilherme e uma outra mina que eu não me lembro (talvez a esposa do Renato ou a namorada do Zé... eu bebo cerveja demais).

Texto fudido! Soco no estômago, ácido pra caralho. Tinha uma penca de personagens sobrando e umas cenas à mais, que pareciam coisa de quem escreve para novela. Mas era muito bom mesmo! O Léo falava que o Mário Frias tinha gostado do texto e que talvez quisesse fazer.

"Quem é Mario Frias?" - perguntei. "Um cara que fez Malhação e depois aquela novela da Globo em que a Suzana Vieira tinha nome e sobrenome de cores e um monte de filhos. Ele era um político amigo de um dos filhos da Suzana Vieira". Fudeu. Tem quase dez anos que eu não assisto uma novela da Globo, mas já percebi umas três ou quatro em que a Suzana Vieira se chama Azul Celeste, Rubra Rosa ou Branco Gelo. Acho que ela faz mershandising (é assim que se escreve essa merda?) subliminar da Sulvinil.

Não lembrava nem fudendo da cara do figura. Os caras iam me dando caracterísiticas mais detalhadas e u ia tomando mais cerveja e a coisa toda ia ficando mais confusa. Enfim... Aquilo de sempre.

Fizemos "Escombros" lá no Parlapatões e marcamos uma reunião com o Mário Frias numa pizzaria na Vila Madalena. O cara é carioca e um bom paulista não entende os cariocas. O nego falava que ia botar grana do bolso, que viria do Rio todo final de semana, que ia arranjar 100 pilas para botar na peça. Eu ficava olhando aquilo tudo e pensando: "Será que isso é verdade?" Olhando o cara ali na minha frente eu ficava me lembrando da Anunciada, que era uma menina que a minha avó e o meu avô criaram lá em Sapé, na Paraíba. Ela assistia a televisão o dia inteiro e eu a chamava de Televina. Pensava nela ali, na mesma mesa em que eu estava, vendo o carioca contar vantagem. Comédia.

É lógico que o nego deu um perdido no Léo. Hahaha. Léo ligava tentando ver o lance da captação e o cara sumiu. Só apareceu na capa da Caras na semana da nossa estréia no Centro Cultural. Tava casando em Floripa (acho). Nego queria fazer a peça porque tinha ficado mordido com a imprensa-contigo quando ele se separou da Nívea Stelman. Mas o novo casório era capa da Caras. Cada coisa doida nesse meio...

No fim a gente estreoou na marra, do jeito que tem que ser. Não dá para fazer teatro nesse país sem ser nesse risco filho da puta de tomar um prejuízo maior que o anterior. Pegamos 10 pilas emprestados e chamamos o Vitão para ser o administrador da nossa temporada. Ensaiamos durante um mês e pouco sob a batuta espetacular do Lazzaratto e mandamos pau na sexta passada.

Cenário meu que deu um puta trampo porque eu ficava pensando nos mil reais que eu poderia gastar. Dormi mal durante duas semanas, mas depois que conversei com o pessoal sobre aumentar a verba da cenografia, fechei o cenário e mandei fazer.

É uma merda isso! A gente trabalha pra caramba, gasta uma grana que nem tem, atrasa conta em casa, perde o sono... E só consegue cobrir o prejuízo se tiver um neguinho da Globo no elenco. Aí sobra grana! Não importa que merda você está fazendo. Basta ser da Globo e já era. Sucesso!

Eu tava começando a pensar "Globo de cu é rola" por causa do lance do Mário Frias (que se estivesse no elenco ia ajudar pra caralho na bilheteria) quando na segunda-feira me liga o Zeca Bittencourt, do Departamento de Recursos Artísticos da Rede Globo de Televisão.

Ai caralho!

"Liga depois. Ainda não sei o que vou fazer. Tô sem grana, mas preciso pensar". Tava em pleno almoço no Rancho Nordestino, comendo um frangão com a Clau e o Pedro quando atendi o celular com essa coisa toda. Perdi a fome, fiquei nervoso e comecei a chorar. Eu tenho um puta medo disso tudo!

domingo, 3 de fevereiro de 2008