quinta-feira, 14 de julho de 2005

Reformas

Um reformador, ele era.

Achava que o mundo era uma máquina quebrada cujo funcionamento ele a muito havia desvendado. Todos os esquemas, toda a mecânica, todas as possibilidades, tudo...

O que ele sabia, sabia.

O que não sabia, sabia que saberia.

E assim seguia.

Se lhe perguntavam o que estava fazendo, ele interrompia sua longa cadeia de raciocínios e observava o inquiridor.

Sabia que sabia o que o outro queria saber e engrenava uma longa série de elocubrações e sentenças explicando toda a mecânica do cosmos, da forma mais simples que poderia conceber, rica em metáforas e alegorias, repleta de jogos de lógica e de um certo tempero irônico ao que o outro redarguia com um QUÊ? que ele logo respondia com outra série de raciocínios até que soubesse que, de fato o outro sabia.

E seguia reformando, ainda que abandonasse o outro com um QUÊ? ainda maior e mais confuso.

Não suportava a ajuda de outros, é claro. Porque a cada parada explicatória a máquina do mundo se complicava, e sua função lhe obrigava a agir.

De modo que seguia reparando tudo atinar que estava cansado.

Então mudava de lado e ia consertar algo noutra parte, sem perceber que ficava só. E que a tarefa a que se propunha era colossal.

Que o cansaço o fosse massacrando, tudo bem.

Mas lhe sobrevinha uma irritação constante com a incompreensão. na sua cabeça, os outros eram peças da máquina cuja direção ele revertia ao explicar o mundo e seu funcionamento correto.

Ou ainda, o outro era a ferramenta que ele usava para consertar tudo.

Bem... Seguiria assim.

Mas um dia compreendeu sua própria mecânica e então se irritou, porque se achava mais humano que os demais, que eram para ele autômatos.

Se soube máquina. E isso era um defeito.

Engrenou então um reformismo de si. E se fechou para balanço. Era preciso se humanizar.

Mergulhou no labirinto de sues raciocínios e começou a ter vários QUÊS a seu respeito.

E ia e se julgava e se reformava e não conseguia e se asfixiava e perdia e seguia e ia, ia, ia...

Não foi pela SUA longa série de raciocínios que ele chegou ao entendimento de que só reformaria a máquina do mundo se reformasse a si mesmo e ensinasse a outros a mesma coisa. Se ensinasse a reparar o que havia ensinado, ensinando uma direção nova, que era ensinar o outro a ensinar que o mundo poderia ser menos mecânico e mais humano.

E avançando nisso, se humanizou, humanizando a outros.

E o mundo não precisou mais de conserto.

Porque não era uma máquina.

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