Eu confio em você. Porque naquele dia em que te vi chegar, aquele seu olhar de quem veio sem saber por que encheu meu coração de ternura. E eu me compadeci desse seu desalento, dessa solidão de estar aqui, e só pude dar a você o meu abraço. E meu calor.
Quando eu te vi deixando passar por você a vida, quando te vi nessa entrega, nessa graça, soube imediatamente que te amaria o resto do meu tempo e depois dele.
Se há um sempre e um infinito, lá está o que eu sinto agora.
Te amo.
quarta-feira, 12 de março de 2008
Claudia
Consertações
Já está ali o cadáver e ainda o procuram para o próximo conserto.
Se encontra ali, irremediavelmente quebrado para vida, funcionando talvez para algo outro que não o viver.
Sem conserto jaz o cadáver do consertador.
E ainda os amigos o procuram, com cousas quebradas que suas mãos desligadas não podem mais reparar.
Sua paciência se esvaiu.
Sua técnica se derramou de si.
Suas ferramentas estão solitárias e enferrujando.
Os consertos por ele devidos se acumulam por todos os cantos e o consertador já não tem tempo de consertar nada, porque o tempo dele se esgotou.
Pedro
Estou com meu filho todos os dias.
Quando eu era moleque, ficava mordido com o fato de o meu pai ter que sair tão cedo para o trabalho e quando voltava à noite era um zumbi zangado que não deixava a gente gritar e correr na hora do Jornal Nacional.
Estou com meu filho todos os dias. E ainda assim, é impossível não sentir esse maravilhamento pela nossa condição humana. As compreensões, os temores, os avanços, as irritações com as próprias limitações, a ansiedade frente ao próprio processo.
Pedro deve andar em pouco tempo. Parece que vai saltar a fase do engatinhamento e já vai direto para a caminhada pura e simples. Rola no chão, se arrasta na cama, se apóia no sofá para ficar de pé, anda segurando na minha mão e deixa a outra mão livre para ir pegando tudo o que pode.
Ainda a uns três dias resolveu falar "ábua" quando está com sede ou calor e me leva caminhando até o banheiro, onde se joga em direção à torneira para que a água flua. Hoje ele entendeu que a água que ele bebe no copo é a mesma que sai da torneira e do chuveiro. E consegue distinguir entre os tantos layouts possíveis de uma torneira, que aqueles objetos todos servem para a mesma coisa. Meteu a mão em baixo da água e, não satisfeito, abriu a boca embaixo da torneira para beber a água que vinha dali.
Na frente do espelho, no nosso colo, ele se olha e olha para a gente, no reflexo e na vida. Os livros todos que a gente comprou dizem que ele ainda não sabe quem é. Que não associa aquele menino na imagem com o menino que ele é. Mas eu sempre duvido. Acena para o espelho, aprendendo a dar "tchau" e quando passeamos na rua, ele vê a própria sombra no chão e faz a mesma coisa, olhando para a imagem formada e para a própria mão que se mexe.
Há um "papa" que sou eu e outro que é a comida. Uma "tetê" que é a mãe e outra que é a teta da mãe. Um "mãmã" que começa a sair. Um "bobô" e uma "bobó", que os avós ainda não entendem que é com eles, porque pensam que ele é muito novo para se comunicar. O cachorro na embalagem de papel higiênico, que ele reconhece como cachorro, porque quando eu pergunto "onde está o cachorro?" ele me pega pela mão e me leva até o lugar onde fica a embalagem e pára de frente para a imagem do bicho.
Nove meses de idade. Impossível... Mas eu, o pai, olho e sei.
Impossível é não ver tudo isso e saber que o ser humano é uma coisa maravilhosa em todas as suas descobertas e patetices.
Investimento de risco
Estamos a duas semanas do final da temporada e constatamos um rombo de três mil reais no caixa da companhia. Temos uma média de espectadores bastante satisfatória, uma temporada relativamente longa, não precisamos pagar nada ao CCSP... Mas mesmo assim, ainda fizemos um investimento bem alto para o nosso espetáculo.
Isso sem contar que a gente não recebe um centavo como atores e atriz da peça. E o Léo abriu mão da porcentagem dele como dramaturgo.
Se eu já não estivesse sofrendo ameaças da Telefonica, da NET e da Eletropaulo certamente teria abrido mão dos meus tostões pela criação do cenário, mas não pude. Tive que pedir um empréstimo para a família e ainda continuo sem arranjar nenhum fixo, de maneira que esses cobres me fariam falta.
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Léozão me liga agora a tarde encanado com a grana que o Vitão pedia para levar os projetos da peça pessoalmente em SESCs do interior. Fora os três contos que já devemos, ele ainda precisava de quase seis. Seria supimpa se tivéssemos isso. Também acho que levar o projeto nas mãos das pessoas implica numa relação diferente da que a gente estabelece à distância, mas o fato é que não temos mais nenhum centavo. Léo e Gui já falam em colocar mais uns cobres para pagar a impressão do projeto, que mandaremos via web ou sedex mesmo, porque não temos mais nenhum centavo para gastar com aluguel de carro, combustível e pedágio.
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Nessas horas é importante não ter o outro como adversário. Porque é aí que a coisa desanda. Eu tinha conversado com o Vitão e tinha ouvido o porquê ele considerava essa estratégia de levar pessoalmente os books da peça como uma coisa boa. Também tinha ouvido a Glau, que até agora não recebeu nenhum tostão, nem por "Escombros" nem por "O rei dos urubus". Ouvia o Léo com a mesma fé de sempre no projeto e o Gui fazendo as contas do quanto ainda faltava pagar e para quem... A gente discute e cada um apresenta a sua questão, mas a questão é saber que o outro está do seu lado e não contra você. Isso é a diferença entre uma Companhia de Teatro e um aglomerado de pessoas fazendo uma peça.
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Ainda tenho fé nesses caras e nessa mina! Estamos na merda, como sempre, mas eu ainda acredito no trabalho dessa gente. Na qualidade do que fazemos. Nesse e em todos os espetáculos que a gente fez e que a gente possa um dia vir a fazer. Agora eu não tenho nenhum puto para colocar nessa produção, mas se tudo correr bem, em maio terei uma grana legal e aí quem paga o Vitor sou eu.
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Três mil de cu é rola! Foda-se! Vamos fazer essas peças!
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A gente ainda está aprendendo o que é ser Companhia, e estamos vendo o quanto vale pagar por essa lição. Todos esperamos pagar nossas contas com esse trabalho que nos traz tanta alegria. Todos esperamos reconhecimento pelos nossos trabalhos. A questão é ver o quanto se pode investir e se isso é necessário. Em dinheiro, tempo, esforço e alegria.
sábado, 8 de março de 2008
Reconhecimento
Uma vez a gente estava conversando num ensaio sobre esse motor do ser humano, o de ser reconhecido por outros. Falamos da importância de se reconhecer as virtudes e as competências de cada um e isso ajudou a dissolver algumas tensões.
Papo bacana com o Lazzaratto.
Ontem um amigo que assistiu à peça me disse que meu trabalho traz em cena muita humanidade. Nos dois personagens. Porra!
É simplesmente o lugar em que eu busco chegar com o que estou fazendo. Foi o melhor reconhecimento que eu já tive na minha carreira.
Obrigado, cara.
segunda-feira, 3 de março de 2008
Da imponderabilidade do público
Trinta e cinco pessoas.
Pouco mais de um quarto da casa, num domingo à noite.
O que podem ter para fazer, as pessoas, num domingo à noite que não estavam na platéia da peça?
Show do Iron Maiden, jogo do Palmeiras e Corinthians, novas peças em cartaz.
Eu gostaria muito de ter uma resposta para quando acontece esse tipo de coisa, mas não tenho a menor idéia. Toda temporada tem sempre esse dia, em que o público desaparece sem razão aparente.